domingo, 15 de novembro de 2015

Insone

Agora que o bebê já dorme a noite toda, você também vai (dormir). 

Mais ou menos.

Porque não é o fato de estar tudo em silêncio que impede a mente de pensar.

Há muito mais em jogo que o simples cansaço ou a vontade de dormir.

A mente funciona à noite, quer dizer, nas madrugadas. Aliás, ela aproveita essa oportunidade para funcionar tudo o que não pôde durante o dia.

É um cúmulo esse acúmulo!

Reflexões, lembranças, planos, futuro.

Preocupações, problemas com ou sem solução.

Relatos, críticas, poesia.

Estratégias.

Ideias sem precedentes.

Esquecimentos.

Pedidos e orações.

Mas falta tempo para pensar em tudo.

Pois quem tem hora para acordar tem que ter hora para dormir.

Você agora é mãe. E precisa descansar.

Consciente disso, começo a perceber minha tensão.

Sem espelho e sem luz, de olhos fechados na escuridão. 

Estou notando minha testa franzir.

Penso nela a sorrir.

E todos os pensamentos me colocam em prontidão.

Porque eu sou mãe. E não posso dormir. Mas preciso.

Eu me devo isso. 

A vigília de nada adianta.

Vou fechar os olhos sem os tensionar.

E adormecer, até amanhã.

Ser eu mesma. Dormindo.

Ou seja, não ser ninguém.

Pelo menos, até amanhã cedo.

Porque assim que a voz dela me gritar, fazendo toda a questão.

Mamãe!

Serei eu de novo.

Aqui, filha, por você, sempre.

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Meu aprendizado

O peso que ela não carrega:


Me fazer feliz;

Me deixar orgulhosa com seus feitos;

Me amar, como eu acho que mereço;

Concordar com minhas ideias;

Reconhecer o meu valor;

Seguir meus passos.

Ela pode fazer isso, se quiser.

Mas essa não é sua função.

Não foi para isso que tive uma filha.

Não foi para me afirmar por meio dela.

Não foi para buscar a aprovação de alguém.

Não foi para ser amada e ter alguém para me fazer feliz.

Não foi para ter minhas ideias confirmadas.

Não foi para ter alguém seguindo meus passos.

Não foi para me gabar dos feitos de alguém.

Não foi para ter meu valor finalmente reconhecido.

Porque antes que ela nascesse, eu já tinha valor.

Eu já era feliz.

Eu já merecia ser amada.

Eu já conhecia a aprovação e a desaprovação alheia.

Eu podia acertar e errar.

E continuo.

E só depende de mim

Aprender com ela que posso ser mais feliz do que já fui.

Aprender com ela a delicadeza de amar outra pessoa assim.

Aprender com ela que o objetivo do trajeto pouca importância tem, se o passeio não for bem aproveitado.

Aprender com ela que errar e acertar é assim mesmo.

Que depois de cair e chorar, é só se levantar.

Que risada é todo dia.

Que mudar de ideia é normal.

Que nada é perfeito, mas muitas coisas são belas.

Como a florzinha mais sem importância na fissura da calçada.

E que qualquer coisa pode ser engraçada.

Até um susto, um grito ou um sussurro.

Não é mágica, nem nada extraordinário.

Mas é bonito para quem vive, e só se vê vivendo.

Aqueles que disseram que nossa função é ensinar coisas aos filhos ainda não se deram conta do universo que nós, pais, temos a aprender com eles.

Coloque na balança e verá.

Quanta riqueza você pode ter se observar uma criança para aprender.


terça-feira, 30 de junho de 2015

Aprenda com o pai

(Créditos da imagem: "Melhor" pai do mundo - Dave Engledow)


Você, que agora é mãe, se queixa de estresse e de falta de ajuda no cuidado com a cria.

E quando recebe alguma ajuda, do pai, principalmente, não consegue relaxar, pois acha difícil ceder o controle com respeito à maneira como são feitas as coisas com o bebê ou na casa.

Eu sei como é.

Muitos pais desistem de ajudar porque simplesmente não param de ser corrigidos. Não recebem crédito nem pela vontade de aprender. E se sentem constantemente fiscalizados, obrigados a prestar contas de detalhes que, convenhamos, não são tão significativos.

Mas se você me permite um conselho, aí vai.

Quer se cansar menos, aprenda com o pai.

Quer ser feliz na vida, esteja mais aberta a aprender do que impaciente para ensinar.

A mãe não sabe tudo. Nem o pai. Por isso, nem você, nem ele, são perfeitos. E nem precisam ser, porque ninguém é.

Portanto, que ninguém tenha a presunção de ter todas as respostas certas. E que cada um se permita aprender.

E errar.

Se esse erro não for deixar a criança aleijada e nem atentar contra o bem-estar ou a vida dela, é válido.

Pra gente ver como o espectro do aprendizado é amplo.

Primeiro, quebrar paradigmas. Por exemplo, um alimento que você, mãe, tem convicção de que a criança não vai nem experimentar. O pai pode descobrir que é o preferido do neném.

Outro: uma roupa que você achava que não ia servir. Ficou ótima, dessa vez foi o pai que vestiu o neném.

Importante lição agora: por que os pais não se cansam tanto quanto as mães? Eles dormem quando o bebê dorme. Dormir de vez em quando. É legal e não faz mal.

Mais. Eles confiam que o bebê tem a capacidade de se distrair sozinho e não passam tanto tempo preocupados em cercá-lo de estímulos e distrações. Brincar com a criança é bom. Mas todo mundo tem limite, ninguém consegue passar o dia inteiro sentado no chão dando comidinha de mentira a bonecos. E a criança precisa aprender que não é centro do mundo.

Sem falar no tédio. O tédio, na medida certa, é importante para a criatividade da criança.

Nosso momento de tédio também é importante. Para quê? Ora, sem tédio todo mundo enlouquece. Algumas mães, com certeza, se estressam e depois ficam se culpando: o que estou fazendo de errado?

Isso:

Terminar as tarefas a tempo não é tão fundamental.

O bebê pode usar a mesma roupa várias vezes (confira apenas o cheiro).

Uma refeição a mais ou a menos por um dia só não vai matar a criança, se esta é saudável e tem peso bom.

Sujeira e bagunça acontecem.

A criança assistir desenho no celular algumas vezes na vida não vai causar danos cerebrais.

Flexibilidade é importante.

Elogie o pai pelo esforço.

Elogie mais, se ele alcançar o resultado. Não importa que não seja pelos mesmos meios que a mãe usa.

A criança está bem, viva, inteira e feliz. Pronto, ele é um bom pai.

Maternidade: quer ficar inteira nessa vida, aprenda com o pai.

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Carta aberta à mãe perfeita


Olá, mãe perfeita. Tudo bem?
Se você existisse, eu diria que te admiro, de coração.
Você, que conseguiu o tipo de parto que planejou.
Você, que não teve dificuldades em amamentar um bebê com pesagem ótima.
Você, que perdeu todos os quilos que adquiriu na gravidez e voltou às medidas de antes.
Você, sempre pronta e disposta ao ser procurada por seu par.
Você, que dorme a noite toda e não tem olheiras.
Você, cujo bebê preenche toda a descrição de felicidade.
Você, que se sente bonita e tem amor incondicional.
Não chora, não se frustra, não se irrita com os comentários alheios.
Você foi contemplada com o máxima dádiva.
Cuida de tudo sozinha. E não reclama.
Como você tem todas as respostas?
Quando você fala, os outros se sentem ignorantes.
Mas fique à vontade para me mostrar sua felicidade.
Sua sabedoria, sua suprema bondade.
Eu só não confraternizo contigo porque você não é de verdade.
Eu só não te aplaudo mais, porque você, mãe perfeita, não sou eu.
Eu venci muitas lutas comigo mesma todos os dias.
Vi a face da minha própria mortalidade, ao mesmo tempo em que comecei a carregar aquele peso.
A séria responsabilidade de ter posto uma pessoa no mundo.
E nesse caminho, precisei de respostas quando ainda nem sabia quais eram as perguntas.
Sentia que tinha que me levantar antes mesmo de cair.
Diferente de você, perfeitinha, eu nem sempre acertei.
Nem sempre me aceitei.
Muitas vezes, com dúvidas, hesitei.
Mas os erros e a hesitação me ensinaram a humildade do aprendizado.
As lágrimas que verti abriram meus olhos para ter empatia com a dor alheia.
Para chorar com quem chora.
Para silenciar e ouvir.
Para a aceitação.
Para acreditar que há um motivo.
Mesmo sem motivo.
E a fraqueza extrema me fez sentir a essência da humanidade. 
A minha, a sua, a nossa.
E como o ser humano é forte. Com todas as imperfeições.
Foi penoso construir sentimentos que não vêm em pacotes de loja.
Coragem, resiliência, compaixão.
E a luta pelo amor do meu bebê me fortaleceu o coração.
Para hoje enfrentar qualquer batalha.
Inclusive aquela, de me olhar no espelho sem me criticar.
Inclusive, tendo a ousadia de não fazer qualquer ressalva, quanto ao que eu era e quanto ao que sou hoje.
Mãe perfeita, hoje eu estou a meu favor.
E não contra mim.
Lógico que eu te admiro.
Você não tem conflitos existenciais.
Mas eu me admiro mais.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Leituras inacabadas


Terminar algo que você começou está cada dia mais raro.

Você, que agora é mãe, sabe disso.

Há alguns meses comecei a ler livros com temas variados. Três títulos. Tudo ao mesmo tempo. O intuito era motivacional, depois informativo... acabei, por fim, lendo por lazer, diversão. Fazia tempo que eu não lia por puro entretenimento.

Mas não acabei as leituras totalmente. Os livros estão empilhados na estante do quarto.

Em algum lugar do passado, alguém chamado "eu mesma" me acusaria de não terminar o que comecei.

Para minha felicidade, aquela pessoa mudou.

Foi devagar, mas foi. 

O primeiríssimo livro, o primeiro da minha vida de mãe, eu li todo. Todinho.

Aí veio o segundo, sobre empreendedorismo. Na metade dele, resolvi colocar em prática os conselhos. Escrevi um outro livro. Escrevi uma lista. Fiz vários projetos, tive ideias mirabolantes que jamais colocarei em prática. Mas tudo funcionou. Para fazer meu cérebro sacudir a poeira e arejar suas engrenagens. Aí o abandonei-o-o (o livro, não o cérebro).

O terceiro livro era sobre estratégias de guerra. Foi aí que começou a diversão. Além de degustar um assunto praticamente novo para mim, relembrei algumas aulas de História Mundial, o que rendeu conversas interessantíssimas com o marido, que é fascinado pelo assunto.

Por estranho que pareça, hoje eu penso que toda mãe precisa conhecer estratégias de guerra. Ela precisa escolher que batalhas travar; e de quais combates precisa desistir. Precisa saber quais são suas capacidades e pontos fracos. Precisa identificar os inimigos e colocá-los no alvo.

Por estranho que (não) pareça, hoje também penso que toda mãe precisa conhecer gestão administrativa. Como gerenciar seu tempo e evitar desperdícios. 

Aí olhei a grossura do livro e não hesitei, o abandonei, também.

Estão os três lá na estante, dois deles inacabados.

Mas eu não. Estou em movimento. 

E se estou em ação, como poderia pensar que não tive sucesso? Só porque não terminei aquelas leituras?

Que besteira.

Eu, que no passado me culpava, mudei de ideia.

Se meu intuito era motivacional, alcancei o objetivo. Me sinto mais motivada, fazendo o que precisa ser feito. Se o intuito era informativo, acertei de novo. Estou estudando, não como fazia antes de minha filha nascer, mas algo próximo. Se lia para ser entretida, ótimo pra mim. Nada me entretém mais do que assumir minhas incumbências, meus assuntos e minha vida.

A pilha de livros, com a leitura inacabada, serviu de escada. Cada livro foi um degrau que subi para sair da inércia, para livrar a mim mesma do que não faz falta. Hoje, a tarefa não cumprida não me oprime. Aprendi, cresci, parabéns. 

E vem agora a lição.

Colocar em prática dez por cento do que você lê vale mais do que ler cem por cento de um livro por culpa, e não fazer mais nada.

Em outras palavras.

Que tristeza é alguém não fazer nada, por achar que se livrar da culpa é o suficiente para ser feliz!

No passado, a culpa me dava as ordens, mas hoje ela não vale mais nada para mim.

Fazer alguma coisa, aliás, é o que vale. Para mim, para você, para quem quer que seja.

Quem é mãe sabe disso.

sexta-feira, 6 de março de 2015

Homenagem à mulher


As mulheres são as pessoas que mais se sacrificam nesse mundo.

Você, que agora é mãe, sente na pele isso.

Quando as mulheres da minha geração são homenageadas, deveriam se lembrar que essa homenagem cabe, na verdade, às mulheres de outras gerações. Nós aqui estamos sendo apenas simbolicamente lembradas. O que temos hoje (igualdade perante a lei, ao menos formal, direito ao trabalho remunerado, ao voto, e muitos outros direitos, inclusive relativos à maternidade) é fruto da luta delas, não nossa.

Acho importante dizer isso, porque sempre me senti fora de lugar nas celebrações do dia da mulher no meu trabalho, com a chefia colocando a mulherada num auditório para ouvir elogios, música, e depois presenteando todo mundo com flores e bolos de chocolate.

Amo flores e bolo de chocolate. (Música, aí já depende...)

Mas essa homenagem não me pertence, eu sentia.

E dá vontade de dizer o seguinte.

Se os estadistas querem homenagear as mulheres, respeitem primeiro nossas crianças, dando a elas uma educação digna. Se os homens querem homenagear as mulheres, mais respeito com a mulher que anda sozinha na rua, para que ela não se sinta constrangida com o palavreado chulo de que frequentemente é alvo. Se os patrões querem homenagear as mulheres, extirpem de suas condutas o assédio moral e eliminem de vez as piadinhas estereotipadas. 

Para qualquer pessoa homenagear a mulher, respeite suas escolhas de vida, respeite as que não querem se casar e as que não querem engravidar, respeite a escolha de parto, respeite seu direito de amamentação. Respeite a mãe que dá mamadeira ao bebê. Respeite as que querem ter um filho só e as que querem ter muitos filhos. Respeite a que escolheu trabalhar em casa e a que estudou para trabalhar fora e contratou babá e empregada. Respeite a avó idosa que, se ganhasse em dinheiro por hora de trabalho, seria milionária. Mas trabalhou a vida toda além do que devia, por dever de esposa e mãe. Fez tudo por amor.

Respeite a inteligência de uma mulher, não como se ela fosse um homem. Porque ela não precisa ser vista como homem para ser respeitada.

É um aprendizado e tanto para homens e mulheres. Respeitar, sejam as jovens, as mães, as professoras, as babás, e todas aquelas que merecem, antes de mais nada, o nosso amor e consideração. Amor diário, e não de ocasião ou de data.

Eu nem falo em feminismo, porque não me refiro a uma politização de comportamento. Falo de conceitos óbvios demais para serem politizados. 

Não parece estranho que seja preciso gastar tanto tempo hoje em dia falando sobre coisas óbvias? Sobre amar ao próximo e valorizar nossas mães?

É  estranho, sim. É quase assustador.

quarta-feira, 4 de março de 2015

Felicidade hoje


Pequenas brincadeiras, como brincar de telefone com seus pés.

Pequenas inteligências de você, estendendo os braços para me pedir colo, mas só quer sair do berço para correr rindo de mim.

Pequenos incômodos de você, com lágrimas nos olhos, me falando que o dentinho (nascendo) dói.

Pequenos e doces perfeccionismos, palavrinhas que você fala após muito pensar, tentando sempre aperfeiçoar sua pronúncia.

Pequenas risadas deliciosas.

Pequenos passos, nas pontas dos pés.

Pequenos giros de brincadeira.

Pequenas quedas que você tira de letra, porque não gosta de ceder ao choro, não tem tempo para chorar e quer continuar o que está fazendo.

Pequenos gestos que você pede para eu refazer.

Pequenas vozes que falam, cantam e conversam em nossas histórias inventadas.

Só com sua vida, sua existência, você me apequena, me engrandece, me felicita.

Felicidade hoje é ter você.

Minha filha.

O Bom Pastor


Segue o link para quem quiser ver fotos da Helena, que inspirou nossa personagem, e visualizar algumas ilustrações do livro, bem aqui, no blog da Diana. 

segunda-feira, 2 de março de 2015

Amizade e trabalho


Não é todo mundo que tem a oportunidade de trabalhar com o que ama. 

Não é todo mundo que tem uma história de amizade que resulta em outras boas histórias, e que pode resultar, um dia, em livro.

Mas felizmente comigo foi assim.

É por isso que me sinto privilegiada e presenteada. Pela amizade dela e por um dos muitos frutos dessa amizade.

Esse é nosso primeiro livro juntas, da minha amiga Diana e eu. Também é criação da Diana a arte que personaliza este blog.

Linda, não? Admiro demais, mas não me surpreende que seja assim. Quem conhece o trabalho da Diana sabe do que estou falando. Esse livro é mais um de seus trabalhos, e o meu primeiro, para literatura infantil. Foi Diana que me incentivou a escrever. Com isso, aprendi que os bons amigos sempre nos estimulam a ser as melhores pessoas que podemos ser. A fazer aquilo em que somos realmente bons.

O bom pastor e a ovelha perdida é uma das minhas histórias preferidas da infância.

O que mostra como é importante lermos para nossos filhos. A história contada aqui tem relação estreita com as histórias que eu ouvia de minha mãe quando criança. Tive essa sorte. Minha mãe leu para mim, e muito. Fui uma criança leitora. De forma que o texto do livro, eu fiz como se contasse a história para minha filha. Da maneira mais poética e lúdica que consegui.

Diana, por sua vez, com toda a sensibilidade, abordou essa história em ilustrações cheias de encanto e cor. É para os olhos da criança que ela desenhou. É para inspirar a criança a fazer seus próprios desenhos que ela traçou cada linha e contorno.

Um livro feito com amor.

Helena, nossa personagem, é inspirada na Helena real. Mas a Helena do livro não tem cor. Ela pode ser loira, ruiva, oriental, negra ou morena. Do jeito que a criança leitora quiser imaginar, ou imaginar a si mesma. A ilustradora deixou essa lacuna para ser preenchida ativamente pela imaginação da criança que lê.

Essa obra foi feita com muito carinho. Vale a pena.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Tempo é amor

A mãe se levanta de madrugada todos os dias para amamentar o bebê. Um dia se vê acordada sozinha naquele mesmo horário, porque o bebê cresceu e já dorme a noite toda. Mesmo assim, ela vai ao berço velar o sono do nenê e ajeitar suas cobertas.

A gestante passa semanas em repouso, para evitar um parto prematuro. Enquanto isso, procura usar o tempo de maneira proveitosa, mantendo a mente tranquila e longe das ansiedades. Ela gostaria de sair de casa e ver gente, mas não pode. Um dia, vê a si mesma na frente do espelho, depois de muito tempo e demora um pouco a se reconhecer. A vida parece um sonho acordado. É que os gêmeos já nasceram. E ambos estão chorando nesse exato momento.

Em outra madrugada, alguém anda pela casa com cuidado para não pisar nos brinquedos espalhados pelo chão. Ela vai à cozinha encarar uma pilha de louças sujas, que ficaram esperando por uma lavagem o dia inteiro. Ela se lembra de ir à área de serviço deixar as roupinhas de molho com sabão de coco, para serem esfregadas e enxaguadas naquela mesma madrugada. Tem manchas que custam sair, ela suspira. E começa a esfregar uma panela engordurada. No quarto, as crianças dormem.

Em toda casa, há sempre alguém cujo tempo é utilizado em favor de outras pessoas.

A mãe sem ajuda.

Com isso ela aprende o que é, na prática, o verdadeiro amor.

Às vezes esse aprendizado a faz sofrer. Às vezes, não, porque enquanto executa todas essas tarefas, ela transporta seus pensamentos para outro lugar.

O rosto de seus filhos. 

Sorrir é inevitável, mesmo com o cansaço tomando conta.

Ela podia tirar um dia de folga, em casa ou em um passeio, mas em vez disso, cochila sentada, tentando assistir uma palestra. O palestrante está falando sobre amor e paciência. Com sono, ela não consegue prestar atenção. O que está escrito nos livros mencionados pelo palestrante é muito bom e valioso, mas não o suficiente para atestar uma verdade inquestionável.

Tempo é amor.

E embora muitos digam que te amam, preste atenção nisso apenas quando eles gastam tempo com você. Como? 

Não sei. 

Tempo, apenas, te ouvindo, sobre um assunto que talvez não seja do interesse deles, mas ainda assim resolveram doar um tempo para você falar, sem culpa de estar falando muito ou tomando o tempo dos outros.

Tempo, apenas, tentando entender. Entender sua frustração, seu cansaço ou seu tédio generalizado. Sem julgamentos pelo fato de você não dar importância aos ensinamentos teóricos sobre amor e paciência. 

Porque, agora que você é mãe, a importância de tanta teoria é apenas relativa. Em casa há crianças precisando brincar ao lar livre, usar roupas limpas, aprender a comer frutas e verduras, escovar os dentes corretamente e dormir no horário certo. E fazer tudo isso acontecer é tarefa sua.

Como alguém pode pensar que você sabe pouco sobre amor e paciência?

Como alguém pode pensar que você não tem o que ensinar sobre amor e paciência?

O próprio tempo que você gasta tentando explicar conceitos tão básicos já mostra que amor é tudo o que você tem a oferecer. Por força do hábito, você tem amor por essa pessoa que não te entende. Por essa pessoa que pensa que veio te ajudar, mas que precisa de mais ajuda que você, sem nem saber disso. Amor por essa pessoa que vai voltar para o lugar de onde veio, sem mudança alguma. Amor por ela, que continuará teorizando sobre o amor, sentada em algum lugar, escrevendo ou falando a partir de sua zona de conforto.

Eu não vejo amor nas palavras, nas frases de efeito, nos dizeres populares e proverbiais; não tanto amor quanto aquele que vejo nas mães que descrevi, cujas madrugadas são tomadas pelas tarefas ou pela insônia das preocupações.

Com seus filhos, filhas, netos, netas.

Com suas amigas mães e seus filhos, a quem você tem carinho como se fossem seus.

Com qualquer mãe desconhecida, até com aquela do notíciário, cujo retrato do filho desaparecido fez seu coração apertar de preocupação.

Tarde da noite, é por todos eles que você faz uma oração. Mesmo que esse tempo de insônia venha te cobrar no dia seguinte.

Sobre o amor e a paciência, você pode não saber tudo. Mas ao contrário de muitos, está aprendendo de verdade.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Desescolarização



Ando pesquisando sobre desescolarização.

Escola é lei no Brasil, alguns dirão.

Eu sei.

Mas as leis não nos impedem de pensar, nem de imaginar um caminho diferente para nossos filhos trilharem.

Outros podem dizer que a desescolarização tornará as crianças preguiçosas.

Foi assim que também reagiram à ideia de escola, no início. Tenho quase certeza de que quando apareceram professores nas áreas rurais desse Brasil, juntando as crianças para ensiná-las o beabá diante de uma lousa, muitos disseram: "Mas isso é loucura... essas crianças estão perdendo tempo, vão ser preguiçosas, não vão gostar de trabalhar..."

Então, a escola virou lei.

E as crianças, sejam as que têm espírito artístico, matemático, músico ou literário, não importa, todas são igualmente obrigadas a cumprir a grade curricular designada pelo Estado, bem como a carga horária correspondente, sendo qualificadas (ou não) segundo as notas obtidas nas avaliações aplicadas pelos professores.

Sim, por aqueles mesmos professores que, um dia, abriram os olhos dos meninos para o esclarecimento das letras, dos números, das operações matemáticas, das figuras de linguagem, das ciências naturais, dos contornos geográficos e dos acontecimentos históricos.

Enquanto a escola designada pelo Estado é burocrática e apassivadora, obrigando os professores a transmitirem um conteúdo previamente determinado, garantindo que os alunos o decorassem, a escola pioneira, original, dava ao aluno a chance de nomear o que ele já conhecia, na prática, no meio onde vivia.

Assim.

A escola tradicional ensina o aluno a decorar as características dos animais mamíferos. E cobra isso na prova. Mas a escolinha rural pioneira informava ao aluno que a vaquinha ordenhada na fazenda onde ele mora é um mamífero. Essa útil informação ele nunca vai esquecer. A escola existia para servir a realidade onde estava inserida. Ela ajudava o aluno a entender essa mesma realidade, sem a necessidade de o transportar a outra. 

Por outro lado, a escola tradicional que frequentamos nos tira da realidade onde estamos, nos coloca em outro nível de linguagem técnica e classificações de coisas e pessoas, arrebanhando cada pequeno e grande aluno para o mesmo questionamento:

"Para que vou aprender isso?"

Sem resposta, devolve-se ao aluno outra pergunta:

"Você não quer passar (de ano/no vestibular/no concurso)? Então, aprende."

Logo, a informação não é para aprendizado. Ela é inútil, exceto como ferramenta para te alçar a outro nível. Qual? Da escola para a faculdade. Da faculdade, para o diploma. Do diploma, para a vida.

Que vida? Aquela que você quer ter quando crescer, ora.

Mas a criança de ontem não se lembra mais do que queria ser quando crescesse.

Ela queria ser astronauta, mas não consegue gostar de Física. Não entende para que servem as Leis de Newton. Ela queria ser artista, mas a aula de Educação Artística é só a cada quinze dias. Fica frustrada. Ela queria ser veterinária, porque ama os animais, mas não consegue decorar a toda a classificação zoonômica e tira notas baixas em Biologia. Ela queria ser atleta, mas o professor de Educação Física colocou todo mundo para jogar futebol e não há atletismo. Ela queria ser poeta, mas a maneira como as correntes literárias lhe foram apresentadas só a fez detestar Literatura. Ela queria dançar, mas essa atividade só acontece uma vez ao ano, na quadrilha da festa junina.

Então, a criança chega à triste conclusão de que não servia para a profissão que sonhava. 

Mas isso não é verdade. Foi a escola que a fez acreditar nisso.

Sem perceber, a criança escolarizada assume uma identidade que não é a sua própria. Ela conclui, tristemente, que não gosta de matemática; que não sabe fazer redação; que ciências não é sua praia; e que odeia artes e geografia. Pensa que história é chato porque os nomes daquelas pessoas e datas não lhe interessam em nada. Aprende que pensar é inútil. Que é mais importante não aborrecer os professores com perguntas, para não ser prejudicada depois com a nota. Que todos, professores e alunos, estão cansados e esperando que o ano acabe. Para começar a mesma tediosa tarefa ano que vem. Tudo de novo, até acabar e começar de novo. E os anos vão se passando nessa mesma rotina.

A criança é esquecida. Ela só existe para manter o sistema de notas e avaliações funcionando, enquanto seu espírito matemático, artístico, literário, científico, morre por dentro.

Um dia ela vira um adulto com diploma em qualquer coisa e não sabe o que fazer da vida. Ela aprendeu que existe para manter o sistema funcionando.

A desescolarização rompe essa lógica que alimenta o sistema com a passividade dos alunos. Com a desescolarização, a criança tem liberdade para aprender aquilo que mais interessa à sua própria vocação. E como ela vai saber que vocação é essa?

Simples. Vivendo e estudando ativamente.

A criança gosta de linguagem. Se interessa em aprender palavras novas. Sua tarefa, então, é pesquisar palavras no dicionário. Descobrir sua origem, até mesmo, a tradução de cada palavra para outras línguas. Agora ela está estudando uma língua estrangeira. Então, um dia, ela se depara com um livro de um escritor estrangeiro. É um suspense que se passa em um submarino. Ela pesquisa sobre como são feitos os submarinos. Aprende como eles imergem e emergem, conforme as leis da física. Agora ela está estudando física. Ela aprende o nome do físico que enunciou aquelas leis. Lê sua biografia e descobre que ele viveu em determinada época. Começa a pesquisar sobre o contexto político em que esse cientista viveu. Agora ela está estudando história. E geografia.

A criança vai ser escritora? Tradutora? Engenheira? Cientista, historiadora, geógrafa? Sim. Em cada momento do estudo ela vai querer ser uma coisa diferente. Um dia, com sua personalidade formada, ela vai escolher, dentre todas as profissões, a que mais condiz com seus objetivos. E vai seguir essa carreira. Como? Vivendo e estudando ativamente.

A ideia da desescolarização não é fechada, mas aberta. E o mais importante, ela é centrada no aprendizado ativo do aluno, e não em sua passividade.

Como mãe, eu gostaria muito de ver essa ideia sendo implementada de alguma forma.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Mamãe sabe mais [?]

"Mamãe sabe mais". Essa frase é uma tradução do original "Mom knows better!", citação do longa metragem de animação "Enrolados", da Disney, que reconta a história da princesa Rapunzel. Aqui em casa concordamos que esse é um dos melhores desenhos que já vimos. É engraçado, sim, com humor apreciável por adultos. Eu soube que com esse desenho os produtores buscaram alcançar o público infantil masculino, que tem natural rejeição ao mundo das princesas. Apesar de não ser um dos mais novos, fica muito atrás de "Frozen", que não chegou a empolgar ninguém aqui de casa.

Eu lembrei dessa frase porque hoje vi na TV um programa tentando dar algumas orientações sobre cuidados e tratamento de assaduras em bebês. Coincidentemente, na minha linha de notícias do Facebook, várias mães blogueiras hoje estão falando sobre o mesmo assunto. 

Mais coincidência ainda, tudo isso conta com o explícito merchandising bem aplicado da empresa Jonhson & Jonhson, que tem feito propaganda mais ostensiva de sua linha de produtos infantis. Talvez, pelo que tenho acompanhado, se trate de uma contra-ofensiva à recente campanha da marca Dove Baby, que acaba, também, de se lançar no mercado utilizando uma abordagem mais ou menos parecida.

Repare que há algumas semanas passava na TV (aberta e fechada) um filminho da Dove chamado "Mães reais", mostrando a mãe com o bebezinho chorando no supermercado e uma vovozinha com olhar de reprovação. Incoerências: um bebê novinho daquele jeito chorando no supermercado é super normal, não se trata da birra que vemos quando uma criança grande fica se jogando no chão; a vovozinha, na vida real, não faria aquele olhar de reprovação para um bebê tão fofo. Duvido muito.

Aí depois a propaganda mostra a mãe super cansada e deitada no chão, cuidando do bebezinho que tenta ficar em pé. Depois aparece outra mãe, cheia de olheiras, com o bebê no colo e, ao fundo, uma tábua de passar roupa com uma pilha de roupas amarrotadas. 

Tão light, meu Deus... imagina uma mãe de verdade nessa vida, que tenha um bebezinho para cuidar, lembrando de passar alguma peça de roupa. Ela nem sabe mais onde está o ferro.

Isso não existe. É o marketing querendo nos fazer crer que somos objeto de alguma empatia.

Quero ver aparecer no filme uma mulher real no pós-parto, com a barriga toda flácida e descascada. Ou o som de um bebê que chora de cólica a noite toda. Mas isso nunca vai acontecer. Senão ia parecer um filme de terror B e não serviria para vender nenhum produto.

Mas voltando ao assunto, quando eu vi essas propagandas, me lembrei de que sei tudo sobre assaduras. Tudo. E também sei tudo sobre amamentação. Só que não quero ser o tipo de pessoa que fica expondo para todos tudo o que sabe sobre determinado assunto. Isso é muito chato.

Há alguns anos, estive em uma roda de conversa de mães, uma única vez para nunca mais, na minha vida pré-maternidade. Eram mães com filhos de todas as idades, e sem exagero algum, passaram mais de uma hora conversando sobre as fezes que seus filhos deixavam nas fraldas, quando as usavam. Eu fiquei impressionada que se lembrassem disso. Quantidade, cor, cheiro, consistência, tudo era objeto de descrição e análise, comparação e debate. Na época, pensei, elas deveriam se sentir as melhores mães do mundo por saber tudo sobre o nojento assunto. Por outro lado, também fiquei pensando: como fica a intimidade dos filhos dessas mulheres (alguns já adolescentes, na época), revelada ao público, assim, sem a menor cerimônia?

"Mamãe sabe mais?"

Certo. 

Mas para o bem de seus filhos, tem coisas que é melhor você fingir que não sabe ou então se esqueceu.

Digo, ainda, que para o seu próprio bem é melhor esquecer as piores coisas.

Mesmo assim, se alguma mãe quiser me consultar a respeito dos meus conhecimentos maternos, me chame inbox. Estou disponível, sim, para ajudar quem precisa. Também tenho o maior prazer em compartilhar experiências com minhas amigas mães, um grupo fechado e seleto, de confiança. Que me ajudou muito.

Só publicamente é que revelo saber menos, bem menos, do que realmente sei.

Mamãe sabe demais.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Apaixonada ou indiferente?

Ser mãe de um bebezinho de três, quatro meses é, sei lá, como estar apaixonada! Em estado de graça, você está contemplativa, no auge da inspiração, tendo nos braços um pequeno milagre divino, a coisa mais linda do mundo, um ser fofíssimo, uma nova vida!

Naquela época, o pediatra recomendou que eu saísse com ela para tomar sol todas as manhãs, e foi o que comecei a fazer. Quando saía, empurrando o carrinho com a neném dentro, sentia tudo ao meu redor com uma intensidade diferente: o céu era mais azul, o sol mais brilhante, o ar mais puro, enfim... um sentimento quase ufanista!

Quando alguém me perguntava, eu falava detalhadamente sobre as novidades da bebê, sobre como tudo aquilo me maravilhava. Cada pequena coisa era extraordinária e perfeita.

Eu fiz muita poesia na época. Eu me superei em lágrimas e declarações de amor. Tenho certeza de que muitas pessoas se cansaram ou enjoaram de me ver orbitando em torno dessas emoções maternas. Na época, nem liguei para o que pensaram, como até hoje também não ligo.

Aí tanta coisa vai acontecendo, uma por cima da outra... de fato, a experiência da maternidade vai sendo construída em camadas. As camadas recentes vão cobrindo as outras, e isso às vezes ocorre com uma velocidade grande, não de meses, mas de semanas e até dias.

Outro dia ela ainda estava de bruços, firmando o pescoço, aí... caramba, já engatinhou, que espertinh... olha! Está andando agora... não... já está correndo! Ei, quem ensinou essa menina a chutar bola?

Esses dias ela falou mamã... peraí, gente. Ela sabe o nome dos animais e... como ela sabe o nome disso... opa... já está contando até dez?

A verdade é que, mais ou menos a partir dos seis meses, a velocidade do desenvolvimento da criança nem te dá tempo suficiente para se surpreender. É correr atrás do ser, curtindo ao máximo cada momento, porque o próximo passo já vai superar o atual e acontecerá daqui a pouco. Literalmente.

Há algumas semanas eu encontrei na vizinhança a mãe de um bebezinho de quatro meses. Maravilhada com o mundo e com a vida, ela me perguntou se eu cuidava integralmente da minha pequena. Quando eu disse que sim, ela começou a falar sobre a maternidade ser um privilégio, uma bênção a ser cultivada, e muitas coisas lindas. 

Por mais que concordasse com ela, eu não podia ouvi-la com atenção, pois estava mais preocupada em evitar que minha filha mexesse num formigueiro, ou pisasse na sujeira do cachorro, ou saísse correndo para a rua, enfim... muitas coisas passavam pela minha cabeça enquanto eu tentava me concentrar no que aquela mãe dizia. Eu saía e voltava pra conversa, ao mesmo tempo em que corria atrás da minha pequena andante, falante e exploradora da natureza.

Aí depois que me despedi da mulher, pensei, tomara que ela não tenha percebido que eu estava quase indiferente ao que ela dizia sobre maternidade, por mais lindo que fosse...

E também pensei: mas peralá, né, poetizar com um bebê quietinho e cheirosinho nos braços até que é fácil...

Eu entendo, porque também já estive nessa posição.

E hoje também entendo as mães que eram quase indiferentes ao que eu dizia no início, porque elas já estavam vivenciando outras coisas, coisas que já tinham superado aquilo que eu contemplava na época.

E se antes eu estranhava essa indiferença, atualmente a vejo como um bom sinal, um sinal de que as crianças crescem, evoluem, e de que as mães acompanham esse crescimento. Ainda há deslumbramento, mas ele vai ficando normal.

Mesmo assim, não duvide que cada mãe, à sua maneira, ainda é capaz de relembrar a poesia daqueles dias mágicos, em que os filhos ainda são apenas presentinhos de Deus, milagres que podemos pegar, apertar, beijar e cheirar. Sublimes.

Aproveito o ensejo para dizer que entendo perfeitamente as mães que ficam com vontade de ter outro bebê, assim que o primeiro cresce.

É como estar apaixonada.